Com a chegada do inverno e a queda nas temperaturas, é comum ouvir que o consumo de bebidas alcoólicas pode ajudar a esquentar o corpo. No entanto, o Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (CISA) alerta que essa ideia é um mito. Segundo especialistas, o efeito de calor é apenas temporário e pode ser perigoso, aumentando inclusive o risco de morte por hipotermia quando o consumo é excessivo.
A psiquiatra e pesquisadora Olivia Pozzolo explica que, ao ingerir álcool, há um deslocamento temporário de calor dos órgãos vitais para a superfície do corpo, devido à dilatação dos vasos sanguíneos. Este processo dá uma “falsa sensação de aquecimento”. “Essa dilatação ocorre quando os vasos deveriam estar contraídos para conservar o calor do corpo, e aí está o perigo. O indivíduo pode consumir mais álcool para tentar compensar o frio, perdendo gradualmente a consciência e a capacidade de reagir corretamente, o que aumenta o risco de hipotermia”, pontua Pozzolo.
Quando as temperaturas corporais caem muito, o organismo, que necessita de cerca de 37ºC para funcionar adequadamente, começa a desligar sistemas importantes lentamente. O coração bate mais devagar, e os órgãos essenciais param de funcionar. O CISA destaca ainda que o consumo em excesso de álcool durante o frio afeta especialmente populações vulneráveis, como pessoas em situação de rua. Para se proteger, a recomendação é priorizar o consumo de bebidas quentes não alcoólicas, como chá ou chocolate quente.
Além disso, o consumo de álcool no inverno pode ser agravado pela diminuição na ingestão de água. Pozzolo explica que “as baixas temperaturas induzem a vasoconstrição periférica, reduzindo a perda de calor pela pele, mas também diminuem a percepção de sede, o que dá a falsa sensação de hidratação adequada”. O álcool possui efeito diurético, aumentando a eliminação de líquidos pela urina e, quando combinado com a menor reposição hídrica, pode levar a quadros de desidratação. Isso resulta em sintomas como dor de cabeça, cansaço e redução na capacidade cognitiva, além de sobrecarregar rins e fígado.
Um estudo publicado na revista Hepatology (2019), com dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), demonstrou uma correlação entre o clima frio e o consumo de álcool. Países com baixas temperaturas médias anuais e menor incidência de luz solar, como a Rússia e os países do Leste Europeu, apresentam maior prevalência de uso nocivo de álcool. Mariana Thibes, doutora em sociologia e coordenadora do CISA, comenta: “Isto pode ocorrer tanto pela difusão do uso de álcool como forma de ‘aquecimento’, o que é equivocado, quanto por questões comportamentais, como menor exposição a atividades externas e maior isolamento social”.
A temperatura baixa no inverno afeta o corpo humano de diversas maneiras, mesmo sem o uso de álcool. Algumas dessas adaptações incluem:
1) Vasos sanguíneos se contraem: Ocorre vasoconstrição dos vasos próximos à pele, porque o sangue é direcionado para os órgãos internos para preservar calor. Isso, porém, pode aumentar o risco de infarto e AVC.
2) Mãos e pés gelados: A vasoconstrição reduz o fluxo de sangue para as extremidades, o que deixa mãos e pés especialmente frios.
3) Pele se arrepia: O arrepio aumenta o ar entre os pelos do corpo, formando uma camada que ajuda a isolar o calor próximo à pele.
4) Tremores: A contração muscular causada pelos tremores produz calor, contribuindo para essa regulação.
5) Fome aumentada: Para manter o gasto energético necessário, o corpo pede mais calorias, o que resulta na maior sensação de fome e desejo por alimentos calóricos.
6) Mais sono: A queda na temperatura corporal durante o frio é um indutor natural do sono, além de que o metabolismo intensificado eleva a necessidade de repouso.
7) Alergias, vírus e lábios secos: O ar frio e seco pode ressecar mucosas e aumentar a vulnerabilidade a infecções respiratórias.
8) Aumento de urina: A vasoconstrição faz com que os rins filtrem mais sangue, gerando maior produção de urina.
9) Maior risco cardíaco: O esforço adicional do coração durante a vasoconstrição aumenta o risco de problemas cardiovasculares, como infarto e AVC.
Para enfrentar o frio com saúde, especialistas recomendam preferir bebidas quentes sem álcool e manter uma boa hidratação, além de adotar roupas adequadas e uma alimentação equilibrada.