Em todo o Brasil, aproximadamente 1,4 milhão de estudantes estão matriculados em escolas públicas sem acesso a água tratada própria para consumo. A maioria desses alunos é negra. Os dados são do estudo “Água e Saneamento nas Escolas Brasileiras: Indicadores de Desigualdade Racial a partir do Censo Escolar”, divulgado nesta semana pelo Instituto de Água e Saneamento e pelo Centro de Estudos e Dados sobre Desigualdades Raciais (Cedra). A pesquisa se baseia no Censo Escolar da Educação Básica de 2023, realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), que classifica escolas como predominantemente negras, predominantemente brancas ou mistas, dependendo da maioria racial de seus estudantes (acima de 60%).
A pesquisa revela que estudantes de escolas predominantemente negras têm sete vezes mais chances de enfrentar a falta de água potável em comparação aos de escolas predominantemente brancas. Entre os 1,2 milhão de estudantes sem acesso básico à água, 768,6 mil estão em escolas predominantemente negras, 528,4 mil em escolas mistas, e 75,2 mil em escolas predominantemente brancas. Marcelo Tragtenberg, conselheiro do Cedra e professor da Universidade Federal de Santa Catarina, destaca que esses dados indicam ausência de água tratada, embora algumas escolas possam ter outras fontes como filtros ou moringas. “Isso tem impacto direto na saúde e impacto no aprendizado, através da saúde”, explica.
Além disso, cerca de 5,5 milhões de estudantes frequentam escolas sem qualquer tipo de abastecimento de água pela rede pública. Desse total, 2,4 milhões estão em escolas de predominância negra, 260 mil em escolas de maioria branca e 2,8 milhões em escolas mistas.
O estudo também analisa outras condições de saneamento, como presença de banheiros, coleta de lixo e esgoto, em todas as etapas da educação básica (educação infantil, ensino fundamental, ensino médio e EJA). Os resultados mostram que 52,3% dos estudantes em escolas predominantemente negras convivem com a ausência de pelo menos uma infraestrutura básica, enquanto o percentual é de 16,3% nas escolas predominantemente brancas.
Os dados evidenciam disparidades raciais persistentes. O relatório ressalta que serviços de saneamento são condições fundamentais para a dignidade humana e impacto direto na qualidade de aprendizado. “A falta desses serviços é mais um obstáculo na trajetória educacional dos estudantes negros e constitui-se em uma camada adicional a ser somada às tantas outras que formam o amplo e complexo panorama da desigualdade racial na educação”, analisa o estudo.
Em relação ao esgoto, 14,1 milhões de estudantes frequentam escolas não conectadas à rede pública, sendo 6 milhões em escolas predominantemente negras, 1,2 milhão em escolas predominantemente brancas e os demais em escolas mistas. Das escolas sem banheiro, 440 mil estudantes são diretamente afetados, 135,3 mil deles em escolas predominantemente negras, 38,3 mil em escolas brancas e 266 mil em escolas mistas.
Sobre a destinação do lixo, 2,15 milhões de estudantes estão matriculados em 30,5 mil escolas onde não há serviço público de coleta. Destes, 955,8 mil estão em escolas predominantemente negras, 59 mil em escolas predominantemente brancas e os demais em escolas mistas. “Em geral, não se tem um olhar racializado sobre os indicadores sociais, mas, quando se racializa, o que acontece é que as escolas onde predominam estudantes negros são escolas com pior infraestrutura de água e saneamento. Onde predominam estudantes brancos, as escolas têm melhor infraestrutura”, observa Tragtenberg.
O professor destaca ainda que há desigualdade até dentro dos subgrupos analisados. “Os estudantes negros que estão em escolas majoritariamente brancas estão nas escolas com pior infraestrutura. Já estudantes brancos em escolas predominantemente negras estão nas melhores estruturas dessas escolas do ponto de vista de água e saneamento”, explica.
O estudo também chama atenção para as dificuldades enfrentadas por alunos indígenas, que não são o foco principal da pesquisa, mas apresentam baixa oferta de saneamento básico. Dos 360 mil indígenas matriculados em escolas públicas, 60% estão em escolas sem abastecimento de água, 81,8% não têm esgoto, 54,7% não contam com coleta de lixo, 15,7% não têm acesso a água potável e 14,3% não possuem banheiro.
Marcelo Tragtenberg aponta a necessidade de políticas públicas que considerem as desigualdades raciais e regionais do Brasil. “Não adianta só pensar em universalização. Ao não considerar a equidade racial, sempre se vai privilegiar as escolas mais privilegiadas e os estudantes de raça branca. É importante ter um recorte de equidade”, afirma.
A realidade das escolas reflete uma situação mais ampla. Segundo o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), em 2022, 33 milhões de brasileiros não tinham acesso a serviços públicos de abastecimento de água, enquanto 90 milhões estavam fora da rede pública de esgoto. Além disso, havia, no mesmo ano, 1,2 milhão de pessoas sem banheiro em casa, sujeitas à defecação a céu aberto.
A pesquisa reconhece que nem todos os estudantes têm cor ou raça declaradas no censo escolar, o que pode impactar as análises. Esse dado começou a ser coletado em 2004, com 60% dos estudantes não declarando cor ou raça em 2007. Em 2022, esse percentual caiu para 25,5%, o que ainda demonstra ausência dessa informação para um em cada quatro estudantes.