Especialistas apontam desafios e mudanças com lei que restringe celular em escolas brasileiras

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Colocar em prática as restrições ao uso dos celulares nas escolas de todo o país será um desafio, segundo professores e estudantes. Embora a proibição seja bem vista por grande parte da sociedade e da comunidade escolar, a lei sancionada nesta segunda-feira (13) encontrará desafios como a falta de infraestrutura nas instituições de ensino, por exemplo, para guardar os celulares em segurança; a formação dos professores, para que não abandonem o uso pedagógico das novas tecnologias; e o ensino, para que as aulas sejam atrativas para os alunos.

Após tramitação no Congresso Nacional, a lei que proíbe o uso dos celulares nas escolas públicas e privadas, tanto nas salas de aula quanto no recreio e nos intervalos, foi sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Os aparelhos seguem sendo permitidos para o uso pedagógico, ou seja, quando autorizado pelos professores como instrumento para a aula. A principal justificativa para a nova lei é proteger as crianças e adolescentes dos impactos negativos das telas para a saúde mental, física e psíquica. A medida não é exclusiva do Brasil, e países como França, Espanha, Grécia, Dinamarca, Itália e Holanda já adotaram legislações que restringem o uso de celular em escolas.

Segundo Heleno Araújo, presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), os professores, no geral, apoiam a proibição dos celulares nas salas de aula, mas destacam desafios na aplicação da medida: “Onde vai ficar esse equipamento? Em que momento da aula você precisa do celular para que o conteúdo chegue com facilidade para entendimento por parte do estudante? Em que momento ele vai ser utilizado? Em que momento ele volta a ser guardado? E aí você vem para a escola pública e pergunta, a escola pública está equipada para isso? Tem segurança em guardar o equipamento do aluno sem estragar, sem perder o equipamento? Tem condições de fazer um planejamento onde sabe que momento o equipamento pode ser utilizado para aprimorar o conhecimento e que momento ele não deve ser utilizado?”, questiona Araújo.

Para ele, seria necessário um debate mais aprofundado sobre o tema nas redes de ensino. “Tudo isso precisaria de um aprofundamento. Uma lei que vem de cima para baixo, sem um fortalecimento da gestão democrática da escola, sem um fortalecimento da participação dos segmentos da comunidade escolar discutindo o tema, vai ficar inviável, porque você vai criar mais problemas, não vai conseguir cumprir a lei como ela determina”, afirma Araújo.

Os estudantes também apresentam preocupações. Para eles, não basta apenas proibir o celular, é necessário transformar as escolas em ambientes mais atraentes e envolventes. “Não é proibir o celular na sala de aula que vai garantir que os estudantes tenham mais atenção nas aulas ou que se interessem mais pela escola. O que vai trazer essa solução que a gente tanto busca, que é trazer de novo o interesse da nossa turma para dentro da sala de aula, é trazer um ambiente mais tecnológico para a escola, dentro da sala de aula, é melhorar a dinâmica e a didática das nossas aulas, é garantir uma formação mais lúdica dos nossos estudantes”, defende Hugo Silva, presidente da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes).

Silva ainda destaca que as proibições podem aumentar desigualdades. “A gente acredita, inclusive, que em muitos territórios e em muitos lugares, a única tecnologia que os estudantes secundários têm acesso é através do celular. Se a gente retira esse aparelho das salas de aula, a gente pode, inclusive, fazer com que esses estudantes não tenham acesso a nenhum tipo de tecnologia”, alerta o estudante.

A nova lei é resultado de discussões que duraram mais de uma década. O projeto foi originalmente proposto pelo deputado federal Alceu Moreira (MDB/RS) em 2015, baseado em ideias anteriores do deputado Pompeo de Mattos (PDT/RS). O texto aprovado pelo Senado e sancionado pelo presidente restringe a proibição ao uso de celulares na educação básica, com exceções para acessibilidade, necessidades de saúde e outros direitos fundamentais. A lei também exige que redes de ensino e escolas criem estratégias para lidar com o sofrimento psíquico e conteúdos impróprios e estabeleçam ambientes de escuta para estudantes que sofram com nomofobia, o medo de estar longe do celular.

A restrição que agora vale para todo o país já era realidade em alguns locais. Em São Paulo, uma medida semelhante entrou em vigor no início deste ano, e no Rio de Janeiro, a proibição está em vigor desde agosto de 2024, por decreto municipal. Segundo Elson Simões de Paiva, presidente do Sindicato dos Professores do Município do Rio de Janeiro e Região (SinproRio), a medida pode favorecer a socialização entre os alunos: “A gente sabe que hoje tem escolas que proíbem o uso até na hora do recreio, para poder possibilitar que a criança e o jovem voltem a fazer o que ele não está fazendo mais, que é a socialização. A socialização dele está sendo feita através de celular, não está sendo mais de pessoa com pessoa. Então, é importante essa questão também do uso do celular ser mais controlado dentro das escolas”.

Paiva, contudo, alerta para uma possível sobrecarga nos professores durante a aplicação da medida: “Quem vai controlar isso? Porque os professores, ou eles dão aula, ou eles vigiam se o aluno está usando o celular ou não”.

Nas escolas particulares do Rio, Lucas Machado, diretor do Sindicato dos Estabelecimentos de Educação Básica do Município do Rio de Janeiro (Sinepe Rio), afirma que as restrições já existiam antes do decreto municipal: “No Rio de Janeiro, essa novidade é inexistente, porque o processo das escolas particulares é muito tranquilo, e isso já vinha adotando, já vinha acontecendo há mais de um ano”. Contudo, Machado aponta que uma lei nacional pode diminuir as flexibilidades necessárias: “Quando você generaliza, você está dificultando os regimentos das escolas (…). Talvez haja algum tipo de restrição em que a gente tem que tomar cuidado para poder atender a necessidade da lei”.

Para Gilberto Lacerda Santos, professor da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília, a medida reflete uma falha das instituições educacionais em integrar a tecnologia aos processos de ensino. “É um auto reconhecimento de uma falência das instituições escolares, da sociedade como um todo, em entender as tecnologias e o seu potencial na educação, e, sobretudo, de integrá-las na formação de professores. Porque todo o problema reside no fato de que nossos professores não sabem lidar com a tecnologia na sala de aula e com tudo que a tecnologia oferece”, afirma.

Ele defende investimentos na formação de educadores. “O professor é um elemento chave para o sucesso da escola. Então nós precisamos fazer o que não foi feito, o que nós não temos conseguido fazer, que é instrumentá-lo adequadamente, formá-lo adequadamente, remunerá-lo adequadamente, para que ele é o ator intermediário para o uso inteligente, interessante da tecnologia”, conclui Santos.

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